quarta-feira, abril 13, 2005

Lenda das Arcas



“Entre escombros na rudeza
De vetusta fortaleza,
Batidas de vento agreste,
Empedrenidas, cerradas,
Há duas arcas pejadas
Uma de oiro outra de peste.

Ninguém sabe ao certo qual
Das duas arcas encerra,
O fecundo manacial
Que fartará de oiro a terra
Mesquinha de Portugal;
Ou qual, se mão imprudente
Lhe erguer a tampa funérea
Vomitará de repente
A fome, a febre, a miséria,
Que matarão toda a gente

Sempre que o povo faminto,
Maltrapilho e miserando
Fosse ele cristão ou moiro,
Entrou no tosco recinto,
Para salvar-se arrombando

A arca pejada de oiro
Quedou-se os braços erguidos,
O olhar atónito e errante,
Sem atinar de que lado
Vinha morrer-lhe aos ouvidos
Uma voz agonizante
Entre ameaças e gemidos.

“Ó povo de Montemor,
se estás mal, se és desgraçado
Suspende toma cuidado,
Que podes ficar pior!”
E nestas proplexidades
E eternas hesitações
Hão-de passar as idades,
Suceder-se as gerações
E continuar na rudeza,
Batidas de vento agreste,
Empedrenidas, cerradas,
As duas arcas pejadas,
Uma de oiro, outra de peste.”
Poema do conde de Monsaraz

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